O meu nome é Jaime Crespo, tenho 54 anos e sou um modesto professor primário
Sou casado e tenho uma filha e um cão.
Nasci na pequena vila do alto Alentejo, Tolosa, no concelho de Nisa, distrito de Portalegre.
Filho de um modesto funcionário público e de uma doméstica. Tenho uma irmã mais velha
Da infância guardo três acontecimentos marcantes: um conselho, a doença e a educação.
Quando criança, um militar vagamente familiar, o tenente Valdez ou Maltez, algo assim, após ouvir duas ou três facécias minhas na escola primária, disse-me:
“- Rapaz, tu és esperto. Mas a escola e a vida são como a tropa. Não te atrevas a ser o melhor e livra-te de seres o pior. Fica-te pelo meio, esses estão sempre descansados, os outros, sempre a ser chamados à liça.”
E, toda a minha vida, tenho procurado a discrição dos medianos, mas da mediania não tenho obtido a proclamada doçura, para mim, apenas amargura.
Sempre fora uma criança alegre e saudável, mas a partir dos 3 ou 4 anos, comecei a adoecer com frequência anómala.
Foram a asma, o sarampo, a tosse convulsa, a varicela… uma encefalite aguda que me levou ao internamento na ala de infetocontagiosos, do Curry Cabral. Eu, menino, completamente sozinho, afastado da família, numa cama de hospital.
A minha mãe encontrou maneira de me ver, através da janela do quarto, Por vezes batia levemente no vidro para que eu olhasse e a visse também.
Assim, tão novo, comecei a curtir a solidão.
Nasci no seio de um país católico apostólico romano, no qual Fátima era a única esperança servida a um povo, pobre, inculto e desesperado.
Já não estudei pela cartilha única, com Salazar a cadeira já tinha cumprido o seu dever, Caetano tinha chamado Hermano Saraiva e Veiga Simão que começaram a reformar a educação. Apesar de tudo ainda tive que aprender o catecismo.
E num país católico, a minha família também o era, devotamente.
Hoje, afirmo-me esclarecidamente ateu, mas há um véu católico que ainda tolda o meu discernimento.
Da pequena vila alentejana saí com 26 anos, diretamente para a metrópole cosmopolita de Macau. Pensava ser maturo e saber tudo. Mas não era nada disso, era jovem e que jovem era, tímido e ingénuo, rude, como eu só.
E de uma noite para o dia tive que me fazer homem, entre o mais sórdido que a humanidade é capaz. Uma humanidade que na barbárie, civilizou-se, agora, na civilização cai constantemente na barbárie.
São 27 anos de afastamento da minha aldeia, mais que o tempo que lá vivi. Lá, regresso esporadicamente.
O resto, o que sou agora, foi a vida que fez, mas continuo o mesmo rapazola, tímido, ingénuo e rude como sempre.
Posso parecer exuberante, excêntrico, até, mas não passam de camuflagens à minha timidez e ingenuidade.
Apesar deste afastamento temporal e físico à aldeia, tudo o que escrevo ainda anda à volta dela pois a janela pela qual vejo o mundo ainda são aqueles olhos grandes e deslumbrados de menino que eu lá deixei.
Aqui chegado, solicito as vossas desculpas, esta alocução está a parecer-se às mais lamechas novelas de Camilo, enfim, poderíamos prefaciar ou apelidar este texto como “amigo, apoia-me que eu sou um coitadinho”.
Este tom, não era minha intenção, as palavras foram saindo e dando tom ao texto.
Falemos então do livro que agora apresento.
Desde que me conheço, ainda antes da escola e do saber ler e escrever que me recordo com um lápis e papel a rabiscar, primeiro, a escrever depois.
No meu percurso escolar, da escola primária, ciclo de Nisa, escola industrial e magistério primário de Portalegre, acabando na Universidade de Macau, sempre tive professores a dizerem-me “tu escreves bem, dedica-te a isso que vais ver vais fazer vida disso”.
Fazer vida. Foi isso mesmo que tive que fazer, casado e com uma filha fiquei ainda mais agarrado ao ensino que antes.
Trabalhar, trabalhar, trabalhar…
Depois também as mudanças de residência e de escola. De tal maneira que só voltei a lembrar-me da escrita, mais a sério, depois dos 50 anos e de a memória me começar a faltar. E também a vida conhecer agora mais estabilidade.
Pensei “ou é agora ou já não é”.
Então peguei nalguns textos que já tinha escrito, trabalhei-os, escrevi outros de novo e assim cheguei a esta compilação que hoje vos apresento: Texturas Diversas.
Não é o livro que eu queria, é apenas o livro possível.
Certo de que cometi mais erros que acertos e as dúvidas são bem superiores às certezas, com a agravante de nunca, ou quase, encontrar uma certeza para alguma das minhas dúvidas.
De certa maneira, todos desejamos transcender-nos. E não fora esse sentimento, não havia evolução. No entanto, antes de evoluirmos, a cada centímetro dessa evolução, correspondem quilómetros de insucessos e de erros.
Por detrás de cada sucesso há uma enormidade de fracassos a suportá-lo.
Dizem os ingleses “todos apreciam a beleza do cisne deslizando sobre as águas, mas ninguém vê a fealdade das patitas a mexer sob as águas”.
Peço-vos que vejam neste livro uma metáfora do cisne invertido, aqui vão ver as feias patas e terão que imaginar a beleza do cisne.
“Nem tanto à terra, nem tanto ao mar”. Julgo que este meu livro se afere pela bitola da mediania.
É claramente a obra de um principiante em busca da sua voz própria, daí a heterogeneidade de temas abordados e a variação nos tipos e níveis de linguagem utilizados.
O que o livro poderá perder em consistência, ganha-o em diversidade.
Poderia ser, mas não é, uma autoajuda para vencer a depressão. Mas foi placebo na minha luta sem tréguas contra a minha depressão.
Alegremo-nos com outro provérbio, este chinês: “não acrescentes pernas à serpente”.
Querem eles dizer com isto que há pessoas demasiado perfeccionistas, de tal modo que acabam por estragar a sua obra.
E canta Sérgio Godinho “A vida-a é feita de pequenos nadas”
Para que isso não me aconteça, vou ficar por aqui e calar-me, deixando com todo o gosto e prazer, o livro ao vosso critério.
Agora o tempo do autor passou, estamos já no tempo do leitor. É com prazer que cedo o meu protagonismo a todos vós: leitores.
Ao fim e ao cabo, o veredicto final sobre qualquer obra cabe sempre aos leitores.
Aguardo com humildade, o vosso.